Será que uma vez salvo, sempre salvo, ou será que podemos perder a salvação por conta do pecado? Do que se trata e por que a blasfêmia contra o Espírito Santo é um pecado imperdoável? O que a Bíblia diz sobre a apostasia? Existe possibilidade de arrependimento para aquele que abandonou a fé? E por fim, como posso ter certeza da minha salvação?
A Bíblia ensina que quando confessamos com a nossa boca que Jesus é nosso Senhor e cremos no coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos somos salvos (Rm 10.9-10). Mas será que uma vez salvos, ainda corremos o risco de perder a salvação? Será que é preciso fazer algo para que isso não aconteça? (Mt 24.13)1
Antes de responder estas perguntas, é preciso lembrar que a salvação é pela graça, por meio da fé (Ef 2.8). Não é pelo bem que fazemos (Ef 2.9, Tt 3.4-6, Rm 3.20), mas por aquilo que Jesus fez por nós, pelo sangue que Ele derramou em nosso favor (Rm 5.8-11).
O que vai evidenciar nossa salvação e comprovar que a fé que temos em Cristo é genuína será o nosso arrependimento (At 3.19, At 26.20) e a nossa obediência (Hb 5.9, Jo 14.23). É a decisão em abandonar o pecado (Hb 12.1-4, Rm 8.5-8), seguida pela transformação de vida (Rm 12.2), pela perseverança ao enfrentar adversidades (Tg 1.2-4,1Pe 1.3-9) e pela prática de boas obras (Ef 2.10, Gl 6.9, Tt 2.11-14). E tudo isso só é possível pela ação do Espírito Santo que passa a habitar dentro de nós (Rm 8.9-17) e, se o Espírito Santo habita em nós, temos a salvação e temos a Vida Eterna (Ef 1.13-14, 1Jo 4.13, 2Co 5.5).
Mas será que durante essa nova vida, podemos nos desviar do Caminho e perder a nossa salvação?
Antes de mais nada, precisamos deixar claro que o conceito de salvação universal, onde todos serão salvos no final, não é bíblico. De acordo com a Bíblia, muitos serão condenados (Mt 7.13-14, Jo 3.18-20,36, Ap 20.15, Mt 25.46). Alguns, inclusive, passarão grande parte de suas vidas frequentando uma igreja, sem jamais ter experimentado uma conversão verdadeira (Mt 7.21-27).
Aquele que nunca foi salvo
Por essa razão, pensando na possibilidade de alguém perder sua salvação, a pergunta é: caso isso aconteça, significa que tal pessoa se desviou da fé ou será que na verdade nunca se converteu?
Muitas vezes a suposta conversão foi motivada pela emoção (Mt 13.20-21), e não por fé e arrependimento (Mt 21.29-32). Existe uma empolgação com a mensagem do Evangelho, mas que ainda está longe de ser um compromisso (Mt 13.22, Mt 10.34-38).
E mesmo que sejamos muito próximos dessa pessoa, não temos como conhecer quais são as reais intenções e motivações do seu coração, somente Deus é capaz de fazer isso (Hb 4.12-13, Jr 17.10).
Pode tratar-se de alguém que vive um processo mais lento de transformação (Hb 5.11-14), ou de alguém que ainda não se entregou completamente a Deus (1Co 3.1-3) ou, em último caso, de alguém que simplesmente se passa por cristão (Mt 7.15).
A questão principal é que uma entrega parcial não é suficiente (Ap 3.15-16). Salvação não se resume a frequentar uma igreja, fazer orações ou melhorar as atitudes. É preciso morrer para nossa vida antiga e nascer de novo em Cristo (2Co 5.14-17, Mt 16.25, Rm 6.11).
Quando não há um arrependimento verdadeiro, a tendência é que continuem os questionamentos sobre a forma de Deus agir (Rm 9.20, Jó 3.11, Jó 13.24), a dificuldade em abandonar o pecado (Mt 6.24, 2Rs 17.38-41), a satisfação em encontrar defeitos nos outros para se sentir melhor (1Co 13.4-6, Pv 24.17-18), a inconstância (Tg 1.7-8), a hipocrisia (Rm 2.21-22), a religiosidade (Is 29.13), e o pior de tudo, a falta de perdão (Mc 11.25-26).
E se tem algo que certamente vai evidenciar que uma pessoa nunca foi convertida, é fato dela não conseguir perdoar o próximo (Jo 20.23). Quando alguém pensa que a ofença de outra pessoa contra ela foi grande demais para ser perdoada, é porque não entendeu e, consequente, ainda não recebeu o perdão de Deus (Mt 18.23-35, Lc 6.37).
Uma pessoa nesta situação pode perder a salvação? Não! Ninguém pode perder algo que nunca teve (Mt 25.12). Acredite, grande parte das pessoas que hoje estão supostamente desviadas, na verdade jamais se converteram (Lc 13.26-28).
Aquele que foi salvo
Mas, e quando temos um encontro verdadeiro com Jesus e nos convertemos de fato? Será mesmo que uma vez salvo, sempre salvo ou será que ainda sim podemos perder a salvação por conta do pecado?
E este é um ponto importante a ser analisado. A Bíblia diz que ninguém deixa de pecar, mesmo depois de convertido (1Jo 1.10), e que isso não nos tira a salvação (1Jo 2.1-2).2 Jesus Cristo pagou pelos nossos pecados do passado, do presente e do futuro (1Jo 2.12, Hb 9.26-28, Hb 10.14,17-18).
Quer dizer então que um salvo, quando peca, não perde sua salvação, nem mesmo por um instante? Nem no exato momento do pecado? Não! (Jo 1.12-13, 1Jo 2.1). Se fosse assim estaríamos constantemente perdendo e ganhando nossa salvação como se fosse uma troca de roupa.
Sem saber o dia da nossa morte ou quando será a volta de Jesus (Mt 25.13), com certeza, seríamos pessoas completamente inseguras.3 Como pregar um evangelho de salvação quando não se tem certeza de sua própria salvação? (1Co 15.19, Rm 13.11).
Contudo, é preciso que fique bem claro, que isso não significa que podemos pecar sem preocupação nenhuma, muito pelo contrário (Rm 6.2), pecar conhecendo a Deus é muito pior do que pecar na ignorância (Hb 10.29, 2 Pe 2.21, Hb 2.3).4 Afinal, sabemos que toda maldade que vemos no mundo é fruto do pecado (Rm 5.12) e, principalmente, sabemos que foram os nossos pecados que levaram Jesus à cruz (Is 53.5-6).
Pecar de forma deliberada e voluntária, definitivamente, é uma característica daquele que jamais conheceu a Deus (1Jo 3.6-9), ou então, considerando um outro cenário, revela uma apostasia, alguém que abandonou a fé (1Tm 1.19, 1Tm 4.1).
A apostasia
Alguns vão defender, inclusive com bases bíblicas (Jo 10.28-29, Rm 11.29, Fp 1.6, 1Pe 1.5, Jo 17.6), a ideia de que, se a pessoa se apostatou da fé, é porque na verdade jamais foi convertida, mas a Bíblia também traz passagens que dão a entender que existe sim, a possibilidade de alguém salvo, abandonar a Cristo (Mt 24.12, Lc 9.62, 2Tm 2.12, Hb 6.4-6, Hb 10.26-27).5
Independente de qual seja sua visão sobre o assunto, de uma coisa nós podemos ter certeza, não há condenação para quem está em Cristo e anda segundo o Espírito (Rm 8.1-2), mesmo que ocasionalmente ele peque (1Jo 1.6-7). Porém, o salário do pecado continua sendo a morte (Rm 6.23), ou seja, sempre haverá uma consequência ruim para o pecado (Gl 6.7-8). E a pior delas é a apostasia (Hb 3.12-14, 1Tm 6.10).
Um dos sinais de que pode estar havendo uma apostasia, é quando já não há mais arrependimento pelos pecados (2Co 7.9-10, 2Co 12.21). Pode até haver uma certa tristeza, um remorso, mas não há uma decisão em abandonar esse pecado (Mt 27.3-5), o remorso logo passa, e o pecado é cometido novamente.
Arrependimento é mudança de mente, mudança de atitude, é uma decisão (Lc 15.18-21, Mt 16.24, Mt 18.3). Mas quando essa decisão não acontece (Lc 13.5), a tendência é se perder cada vez mais a sensibilidade ao Espírito Santo (1Ts 5.19) e a noção do que é certo ou errado (1Tm 4.2). Muitas vezes a pessoa não declarou abertamente que abandonou a fé, mas sua vida de pecados demonstra isso (Tt 1.16).
Trata-se de uma pessoa salva? Óbvio que não! Ou ela perdeu a salvação ou nunca a teve.
E se pensarmos que de fato ela perdeu a salvação, será que ainda existe a possibilidade de recuperar essa salvação? Bom, de acordo com Hebreus 6, a resposta é não! Uma pessoa que negou sua fé em Cristo já não poderá mais ser conduzida ao arrependimento (Hb 6.4-6).
Porém, não cabe a nós julgar em que estado espiritual alguém se encontra (Rm 14.10-13), devemos sempre partir do pressuposto de que ainda não houve por parte dessa pessoa uma compreensão plena daquilo que foi conquistado na cruz (1Co 2.14, At 28.24-31).
Mesmo quando pensamos se tratar de alguém que supostamente abandonou a fé, precisamos deixar esse julgamento com Deus (At 15.8,11) e crer que ainda existe (sim) a possibilidade de arrependimento e salvação (Lc 15.24, 2Pe 3.9, 2Tm 2.24-26).
Como saber se não perdi minha salvação?
Mas e quanto a nós? Como é possível ter a certeza de que não perdemos nossa salvação?
Simples, se quando pecamos, existe arrependimento e confissão à Deus (1Jo 1.9), significa que não perdemos a salvação. Se procuramos viver em santidade e ainda existe temor a Deus em nossos corações (2Co 6.14-18, 7.1), também significa que não perdemos a salvação.
Se perdoamos nosso próximo (Mt 6.14-15) e percebemos o Fruto do Espírito sendo desenvolvido em nossas vidas (2Pe 1.2-11), mesmo que o pecado tenha acontecido minutos atrás, nós não perdemos a salvação (1Jo 1.8).
A blasfêmia contra o Espírito Santo
Até mesmo no caso daquilo que a Bíblia considera como um pecado imperdoável, que é a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mt 12.31-32, Mc 3.28-29), entende-se que, se estamos em dúvida quanto ao fato de termos blasfemado ou não, é porque não blasfemamos.
A blasfêmia contra o Espírito Santo segue o mesmo princípio da apostasia, não há dúvidas por parte da pessoa (1Tm 4.2). Ela já teve provas incontestáveis da existência de Deus (Rm 1.18-21), mas recusou-se a obedecê-lo e rejeitou a salvação (Lc 10.16, Lc 12.9).
Blasfemar contra o Espírito Santo não é questionar se algo é de Deus ou não (1Ts 5.21, Jo 7.24), mas é atribuir ao Diabo algo que sabemos ser uma ação do Espírito Santo (Mt 12.24.28, Mc 3.22-26). Por essa razão torna-se um pecado imperdoável, pois aquele que está sendo injuriado é o único que poderia nos convencer do pecado e nos conduzir ao arrependimento (Jo 16.7-8).
Quem blasfema contra o Espírito Santo se rebela contra Deus (Mt 12.30), torna-se inimigo do Evangelho (Gl 1.9, Rm 1.28-32), difama e calunia o que é santo (2Tm 3.1-9, Jd 1.10), chama o bem de mal (Mc 3.30) e procura convencer outros de que a salvação bíblica não passa de ilusão e fantasia (Mt 12.33-37). Se você faz estas coisas, sem preocupação nenhuma, é porque blasfemou contra o Espírito Santo (Gl 5.19-21, 1Co 6.10).
Sendo assim, cada um deve examinar-se a si mesmo para comprovar se está na fé (2Co 13.5-8). Quando existe arrependimento (Mt 3.8), também existe perdão (Lc 24.45-47).
Perder a salvação: conclusão
Seja qual for seu entendimento sobre este assunto, se é possível ou não perder a salvação, algo é certo: só será condenado ao inferno aquele que não conheceu Jesus Cristo (2Ts 1.8-9, 1Jo 2.4) ou aquele que, após conhecê-lo, deliberadamente, deixou de segui-lo (2Pe 2.20-22).
Do contrário, podemos afirmar com toda convicção que estamos salvos e que temos a vida eterna. Não é na nossa força que vencemos o pecado (2Co 12.9-10, Fp 4.13), mas é o próprio Deus quem nos livra (1Co 10.13), nos sustenta (2Co 1.21-22, Fp 2.12-13), nos protege (2Ts 3.3-5) e nos estabelece em Cristo (1Pe 5.10). O único que poderia nos condenar, morreu em nosso favor, ressuscitou dentre os mortos e, neste momento, intercede por nós (Rm 8.31-34).
Nem tribulação, nem angústia, nem perseguição, nem fome, nem presente, nem futuro, nem a morte, nem a vida, nem anjos e nem demônios (1Jo 5.18, 2Tm 4.18). Absolutamente nada (2Co 4.7-11) e ninguém poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Rm 8.35-39)
A ação do Espírito Santo (Jo 16.13) e a certeza da nossa salvação é o que nos mantém longe do pecado e não o medo de perdê-la (1Jo 4.13-18, 1Co 15.58, 1Ts 5.23-24).
Notas:
1 Mateus 24.13 não tem relação alguma com a salvação pessoal nesta era da graça em que vivemos. “Até o fim” não significa até o fim da vida, mas sim até o fim dos tempos (Mt 24.24). Os que crerem durante esse período terrível e que perseverarem em sua fé serão salvos, quando o Senhor vier no fim dos tempos e livrá-los.
– Wiersbe, Comentário bíblico – Novo Testamento 1 – Pág. 113
2 Quando Paulo diz “Aquele que pensa estar de pé, veja para que não caia.” em 1Co 10.12, não se trata necessariamente de uma pessoa salva correndo o risco de perder a salvação, pois ela “pensa” estar de pé. E “cair” provavelmente não significa perder a salvação, mas ao próprio fato de pecar.
3 Em 1Co 9.27, quando Paulo diz “Antes, subjugo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado” ou em Fp 3.12, quando diz “Não que já a tenha alcançado (a ressurreição dentre os mortos), ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus.” , o mais provável sentido destas passagens não é uma preocupação de Paulo em perder a salvação (2Tm 4.18), mas em ser desaprovado quanto ao serviço que prestava ao Senhor, em deixar de receber o devido galardão celestial de seu chamado apostólico. Paulo nos ensina que um cristão deve estar plenamente satisfeito em Cristo, mas nunca dar-se por satisfeito com suas realizações espirituais.
4 Àquele a quem muito é dado, muito lhe será exigido. O cristão de hoje tem uma responsabilidade muito maior de obedecer a Deus do que os santos do Antigo Testamento. Temos a Bíblia completa, temos a revelação plena da graça de Deus e temos o Espírito Santo habitando dentro de nós para nos ajudar a obedecer a Deus.
– Wiersbe, Comentário bíblico – Novo Testamento 2 – Pág. 681
5 O equilíbrio escriturístico: as respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação — e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo acentua a livre vontade e responsabilidade do homem — e assim o faz a Bíblia. A solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro. Por exemplo: a ênfase demasiada à soberania e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outro lado, ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de toda a confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser evitados são: a ilegalidade e o legalismo.
– Myer Pearlman, Conhecendo as doutrinas da Bíblia